quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

Notícias do Mercado Imobiliário

Sam Zell aumenta suas apostas no Brasil


Especial - São Paulo - Raquel Balarin e Carolina Mandl

Sempre se espera que alguém com uma fortuna de US$ 2,4 bilhões seja distante, avesso à imprensa, de humor contido. Mas Samuel Zell é surpreendente. A começar por sua maneira de se vestir. Esqueça o tradicional terno e gravata. Na semana passada, ele visitou empresários brasileiros vestido com jeans, camisa branca, paletó bege e um boné laranja. Isto mesmo. Um boné com as iniciais de seu império, o Equity Group.

Aos 65 anos, Sam Zell é o maior investidor imobiliário dos EUA e o 112º homem mais rico do mundo. Suas empresas são donas de nada menos que 225 mil apartamentos e de 120 milhões de metros quadrados de escritórios. E agora este filho de judeus poloneses, que vive em Chicago, colocou o Brasil no foco das atenções. A ponto de considerar o país "um dos mercados mais interessantes do mundo".

Sem ninguém perceber, Zell colocou seu pé no Brasil há alguns anos, quando o fundo americano de private equity Acon adquiriu o controle da rede de supermercados G. Barbosa, no Nordeste. O nome do megainvestidor não aparece em nenhum lugar. Mas é ele o acionista majoritário da rede. No ano passado, nova investida. Adquiriu 32% da incorporadora imobiliária Gafisa, inaugurando seus investimentos nesse setor no Brasil. Pagou US$ 55 milhões (R$ 135 milhões). Meses depois, reduziu a participação a 27,7% e apenas com essa venda recuperou tudo o que aplicou. Hoje, a fatia que detém na Gafisa vale R$ 670 milhões.

Ainda este mês, Zell deve anunciar um novo investimento no país, por meio da Bracor, empresa que ele criou no Brasil. Diz apenas que é um imóvel que será depois alugado a uma empresa.

O Brasil é sua grande aposta depois do México, onde entrou em 2002 ao comprar uma participação da Homex por US$ 32 milhões. No fim do ano passado, essa participação valia US$ 350 milhões. A investida na América Latina é uma forma de compensar em parte os resultados não tão animadores de duas de suas empresas nos Estados Unidos, a Equity Residential e a Equity Office Properties Trust.

Enquanto come com voracidade uma massa e toma uma taça de vinho, Zell diz que não vê uma bolha imobiliária prestes a explodir nos EUA. Para ele, parte da alta dos imóveis nos últimos anos se deve a uma mudança no perfil da população: o aumento de imigrantes e a opção de as pessoas se casarem mais tarde, o que cria uma demanda de solteiros por casas.

Zell começou a investir em imóveis há mais de 40 anos, quando ainda era estudante de direito na Universidade de Michigan. Enxergou nos apartamentos degradados oportunidade para fazer dinheiro. Anos depois, ganharia o apelido de "Gravedancer" (dançarino das covas), por sua habilidade em comprar ativos que os outros consideravam mortos. Entre 2002 e 2004, adquiriu bônus de empresas em dificuldades, com a perspectiva de se tornar sócio em uma reestruturação de dívidas. Bingo!

Fora dos EUA, costuma fazer negócios em parceria com sócios locais. Sempre tem um contato cara-a-cara antes de fechar um acordo. Orgulha-se de ser uma das pessoas mais viajadas do mundo. "Facilita o fato de ter meu próprio avião, com cama." Nas férias, gosta de esquiar e de andar de moto com seu grupo, o Zell's Angels. Esse Sam Zell é mesmo surpreendente.

Investidor elogia Lula, mas diz que falta projeto para financiar casas populares

A seguir, os principais trechos da entrevista concedida pelo megainvestidor imobiliário Samuel Zell, no restaurante do hotel Fasano, minutos depois da vitória do Brasil sobre Gana. Ele acabara de chegar de Aracaju, onde fora visitar fornecedores, clientes e acionistas da rede de supermercados G. Barbosa. Viajou em seu avião particular e concedeu a entrevista enquanto comia uma massa - sua primeira refeição do dia.

Valor: O senhor tem dito que considera o Brasil o melhor lugar para se investir em imóveis. Por quê?

Samuel Zell: Em primeiro lugar, porque o Brasil já elegeu seu candidato de esquerda. E nós gostamos dele. Na Venezuela, não gostamos. Além disso, acreditamos que esse país tem grandes perspectivas de crescimento e está mostrando disciplina para controlar a inflação. Por fim, investimentos onde há possibilidade de retorno do capital. Em outras partes do mundo não encontramos o nível de atratividade que vemos no Brasil.

Valor: Mas o país não vem apresentando o mesmo crescimento dos outros BRICs (sigla para Brasil, Rússia, Índia e China). O senhor crê que o Brasil crescerá mais rápido?

Zell: O Brasil já cresce razoavelmente rápido. A China está obviamente crescendo mais rápido, e eu não acho que o Brasil terá o ritmo de expansão que vemos na China. Mas eu não creio que as taxas da China sejam necessariamente indicativas de retorno para o investidor.

Valor: Por causa dos riscos?

Zell: Não. Porque o governo chinês é autoritário. Se ele decide que vai dobrar o espaço de escritórios, ele faz isso. É muito diferente numa economia como a do Brasil, que responde à demanda. Por isso achamos aqui mais interessante, o que não quer dizer que não investiremos na China. Já tivemos e faremos investimentos lá. Mas agora achamos o Brasil um dos mercados mais interessantes do mundo.

Valor: Seus fundos procuram dar um retorno de 20% ao ano, em dólar. O setor imobiliário tem como oferecer essa rentabilidade?

Zell: Tem. Tudo é uma questão de risco e retorno. A resposta é que o risco está aqui, como o retorno também. Podemos estar errados, mas estamos nesse setor há muito tempo. Tentamos sempre identificar uma relação risco/retorno atrativa. E o Brasil se enquadra nessa definição.

Valor: O Brasil de hoje se equipara ao México de quando a Equity investiu na Homex (2002)?

Zell: Quando investimos na Homex, acreditávamos que a economia deles estava convergindo com a dos EUA. Agora, o Brasil está seguindo o México - está dois ou três anos atrás do México em termos de transparência, investment grade etc. Se tornar investment grade foi excelente para eles, também o será para o Brasil. Acreditamos que o país terá controle da inflação e tudo mais que torna o investimento mais seguro.

Valor: As recentes turbulências no mercado financeiro têm afetado suas decisões de investimento?

Zell: Nunca teríamos investido em um país em desenvolvimento se não tivéssemos antecipado que haveria períodos de turbulência. E vemos esses períodos como oportunidade. Temos uma confiança de longo prazo no Brasil e no México. Por isso estamos perfeitamente felizes ao tirar proveito da insegurança alheia.

Valor: Fora do Brasil, Tishman Speyer e Hines investem em ativos comerciais. Aqui, na área residencial. O senhor também começou pelo residencial. Por quê?

Zell: Porque o residencial é relativamente fácil de ser compreendido. E se trata de uma necessidade básica. Quando a economia melhora, as pessoas primeiro pensam em comprar uma casa. Escritórios e varejo vêm depois, no que chamo de processo evolutivo. Apesar disso, no México, primeiro investi no industrial. Tudo depende das oportunidades.

Valor: No Brasil, depois de Gafisa, vocês vão partir para investimentos industriais com a Bracor?

Zell: Sim, Bracor é o nosso próximo passo. É uma oportunidade para tirarmos vantagem de um mercado bastante forte, mas ineficiente e que não tem financiamento disponível. Nosso objetivo é criar uma metodologia eficiente para o setor industrial.

Valor: O senhor se refere aos projetos "build to suit" (em que uma fábrica é construída sob encomenda e depois alugada pela indústria)?

Zell: Sim. A maior parte das empresas estrangeiras se confronta com esse problema no Brasil. Elas não têm outra opção a não ser comprar o imóvel. Nosso objetivo é dar a elas uma opção de não usar seu próprio capital. E isso vale para brasileiras ou estrangeiras. Nosso foco são indústrias e escritórios que sejam ocupados por um só inquilino.

Valor: A Homex, no México, é voltada para o público de baixa renda. A Gafisa, no Brasil, para as classes média e alta. Isso pode mudar?

Zell: Não, porque a Gafisa é boa no que está fazendo. A demanda por casas de classe média é bastante alta, e eles têm uma boa reputação, criam bons produtos. O nome do jogo é: deixe isso assim. Muitas pessoas no Brasil adorariam morar numa casa da Gafisa.

Valor: Mas não há uma oportunidade de negócio em casas para a baixa renda?

Zell: No México, o que fez esse tipo de habitação ser tão bem-sucedido é que o governo criou uma metodologia própria para isso: 5% da renda de cada trabalhador vai para um fundo que financia o sistema. Isso cria a oportunidade para as pessoas de baixa renda comprarem casas. No momento, o Brasil não tem esse tipo de programa. Mas a demanda existe. O nosso objetivo é encontrar como financiá-la. Não se pode entrar nesse mercado sem uma metodologia que funcione. E isso significa que não há casas populares sem financiamento.

Valor: A taxa de juro no Brasil ainda é muito alta.

Zell: Mas elas já caíram. No México, há dez anos, você diria o mesmo. Alta taxa de juros, alta inflação e tudo mais. Mas ambos os países foram bem-sucedidos nessa redução. Você não pode ter casas para a baixa renda num cenário inflacionário. Mas se você ataca a inflação, as coisas ficam mais balanceadas. E o juro para esse tipo de habitação no México não é nem um pouco baixo. A taxa da Homex é de 12% a 14% por ano. O que funciona no México não é se ela é barata, mas sua disponibilidade. A lógica é que se há crédito disponível, as pessoas têm como financiar a compra.

Valor: A legislação brasileira é suficiente para proteger o investidor imobiliário? Até pouco tempo, a Justiça protegia o mutuário, mesmo inadimplente.

Zell: Mas isso já sofreu algumas mudanças. Você não pode ter nenhum financiamento se não tiver um sistema de cobrança efetivo. Francamente, o entusiasmo para as pessoas pagarem seus empréstimos é afetado pela possibilidade de elas perderem a casa.

Valor: A Equity está interessada na área de crédito imobiliário?

Zell: Estamos interessados em tudo o que estiver relacionado ao setor imobiliário. No México, temos uma companhia hipotecária. Já nos acusaram de sermos oportunistas profissionais, e eu concordo. Todo país precisa de investidores profissionais.

Valor: O senhor está preocupado com as eleições presidenciais?

Zell: Não. Lula fez um bom trabalho. Se perder, será para alguém que talvez se interesse mais em proteger a economia.

Valor: O senhor tem investimentos na Venezuela, onde o cenário é mais complicado...

Zell: ...desafiador, eu diria. Não faremos mais investimentos lá. Para o investidor estrangeiro, tudo é questão de previsibilidade. Infelizmente hoje na Venezuela o cenário para os estrangeiros não é bom. E há inúmeras oportunidades no mundo inteiro.

Valor: Alguns analistas dizem que Lula poderá se tornar populista num segundo mandato. O senhor teme esse cenário?

Zell: Não. Não sou um político, mas gostaria de acreditar que o Lula fez o que fez no primeiro mandato porque acha que isso é o certo. Não porque ele acha que esse é um expediente político.

Valor: Além de imóveis, que setores atraem o Equity no Brasil ?

Zell: Temos há cerca de quatro anos participação majoritária na rede varejista G. Barbosa, no Nordeste. Buscamos outros investimentos, mas ainda não sei em que área. Nos EUA, temos até distribuição de energia. Cerca de 35% dos meus negócios estão na área imobiliária e 65%, fora dela.

Valor: O sr. fez algum tipo de hedge quando investiu na Gafisa?

Zell: Investi em reais. Se você acredita que o Brasil se tornará investment grade e terá disciplina econômica, aposta no país. Não é possível proteger seu risco num investimento estrangeiro. Quando o horizonte é de três meses, até pode ser. Quando é de dez anos, não há meio econômico que justifique a proteção.

Valor: A compra de Gafisa foi feita em parceria com a GP. Vocês serão parceiros em outros negócios?

Zell: Não acredito. O GP é um grupo excelente. Fizeram ótimos negócios. Mas não creio que eles têm um compromisso de longo prazo com o Brasil como nós. Principalmente porque eles já estão aqui, já têm investimentos aqui. Querem diversificar, enquanto nós queremos construir uma posição no país. Nossos objetivos não são os mesmos. Queremos exposição ao Brasil.

Valor: O sr. espera o estouro da bolha imobiliária dos EUA?

Zell: O mercado imobiliário americano é muito forte. Os retornos são quase baixos, mas ainda há liquidez. Isso é uma proteção contra qualquer estouro de bolha. Houve muita especulação em mercados como Miami e Las Vegas. Mas não vejo isso no resto do país. (C.M. e R.B.)





Fonte: Valor Econômico