domingo, 15 de julho de 2007

INDENIZAÇÕES MISERÁVEIS I - II

Afirmei que as indenizações no direito brasileiro são incertas, miseráveis e demoradas ("mártires das ilegalidades") e, quando demandada a máquina estatal por seus erros, são pagas, muitos anos após, em precatórios divididos em doze parcelas anuais. Longe de repararmos, apenas maximizamos prejuízos e dores morais em dupla ilegalidade e dupla injustiça. Isto está ligado diretamente à falta de preocupação que se tem com o outro.
Penso que o juiz estadunidense tem como bússola o "sonho americano". Assim, quando alguém - principalmente a máquina estatal - lesiona a liberdade, a vida, a integridade moral e projetos de outrem, assegura indenizações que são pagas em dinheiro com o bater do martelo. Lá, o juiz tem também a chave do cofre. Toma por base um cidadão que realizou esse sonho e a indenização vai aproximar o lesado desse patamar. Aquele povo se interessa pelas desgraças alheias, tanto que livros e filmes alusivos são produzidos, com régios pagamentos aos protagonistas da vida real, em autêntica e complementar reparação moral e econômica.
Embora a nossa mitológica Constituição Federal e legislação inferior enunciem esses direitos, não temos um "sonho brasileiro". Na falta dele, os referenciais são nossas equivocadas teorias que no fundo se voltam mais para a proteção dos ofensores que dos ofendidos. Nosso "estado juiz" não ousa pronunciar imoral a imposição de pagamentos em precatórios (proporcionalidade pró-moralidade), mormente agora que atingimos a estabilidade econômica, nem está preocupado em não terem lhe confiado a "chave do cofre", onde sentenças pudessem ser compensadas como cheques em bancos.
Os desgraçados e injustiçados da nossa república, na esmagadora maioria, rumam ao esquecimento (somos do tipo: "ria e todos rirão com você. Chore e chorarás sozinho..."). Quando atrevem-se a escrever um livro com suas desditas, arcam com os custos da editoração e descobrem que ninguém os lê, nem de graça! "Vá procurar teus direitos", ao invés de sábio conselho, em nosso meio, é sinônimo de xingamento. Os cavaleiros desse apocalipse civil afirmam que a dor não tem preço e que não há como avaliá-la. Portanto, nossas indenizações são miseráveis porque somos miseráveis... E quando um juiz iluminado resolve romper com tais barreiras culturais, no fundo tem certeza de que sua decisão será miserabilizada em grau de recurso. Portanto, o assalariado que ficou cego ou mutilado que se contente apenas com a aposentadoria precoce. A mulher que foi monstrificada pela cirurgia plástica que se conforme com cem salários mínimos. A viúva e os filhos do pai morto por engano pela polícia que levantem as mãos para o céu e agradeçam, depois de alguns anos de jejum e batalhas judiciais, o mero salário paterno como se vivo estivesse por mais alguns anos. O aprisionado inocentemente que comemore apenas a devolução de sua liberdade... Viva o paraíso do básico - o sonho brasileiro!

Indenizações miseráveis (II)


Elias Mattar Assad


Recentemente, Cláudio Lembo debitou todos os problemas nacionais a uma "minoria branca", destacando que, em nossa formação histórica, "a casa grande tinha tudo e a senzala não tinha nada." Rematou: "Então é um drama. É um país que quando os escravos foram libertados, quem recebeu indenização foi o senhor e não os libertos..." (Folha on-line). Talvez resida aí o embrião do nosso miserável pensamento indenizatório. Nossa resistente contracultura jurídica conseguiu subverter tudo, mesmo o enunciado constitucional que impõe "prévia e justa indenização" . O lesado pensa assim: fui espoliado, arquei com o ônus de ir para a Justiça e esse grupo de pessoas (advogados, juízes, promotores, agentes governamentais, etc.) fica vários anos discutindo até julgar quanto me deve. Após, tenho que esperar a pauta e a votação legislativa para a inclusão no orçamento e, no ano seguinte, quando chegar a minha vez na fila, vencer a primeira das doze parcelas anuais de meu direito... Se a lesão ocorreu de maneira pronta, qual a razão para enternizarem a minha reparação? Quando o governo cobra seus haveres, não age com a mesma lentidão e nem aplica os mesmos índices...

Se atingimos a estabilidade econômica não há lógica na manutenção dessa vergonhosa moratória processual e constitucional. Hoje, a casa grande é o governo. Senzala é a moradia de nove entre dez brasileiros. O pelourinho foi substituido pelas chibatas dos "homens da lei" e estermínios dos "foras-da-lei". Nas senzalas contemporâneas, observamos alguns bens de consumo, como geladeiras, televisões, DVDs, automóveis, entre mais, adquiridos com a força dos vampiros do sistema financeiro, em promoções usurárias do "pague três e leve um". A insuportável carga tributária nos transformou em precários inquilinos de coisas próprias (irrebatível efeito confiscatório). O direito de propriedade e os demais fundamentais, que a Constituição diz assegurar estão virando meros espectros, em atmosfera de instabilidade jurídica sem precedentes. Agonizam a escola, a saúde e a segurança pública.

O Legislativo e o Judiciáro estão gessados de tal maneira que o primeiro nem pensa em abolir a imoralidade dos precatórios via emenda constitucional supressiva. O segundo não ousa suspender sua aplicação invocando a moralidade, balizadora dos atos dos três poderes.

Mantida a sistemática atual, a "minoria branca" adquire os créditos dos espoliados (precatórios) por apenas vinte ou trinta por cento do valor real. Rotularam, para a compra, de "crédito podre". Bom nome porque, desgraçadamente, deriva dessa cidadania debilitada... Na destoante visão brasileira de justiça, dar a cada um o que é seu significa assegurar aos ricos as suas venturas e aos pobres as suas misérias!

Elias Mattar Assad
(eliasmattarassad@sulbbs.com.br)é presidente da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas

Nenhum comentário: